quarta-feira, 27 de abril de 2016

Divergências do novo Código Florestal






* Por: Angélica de Souza Caixêta OAB/MG 144.101

Desde que foi sancionado o novo Código Florestal, até os dias atuais, já surgiram vários questionamentos, em decorrência dos TACs — Termos de Ajustamentos de Condutas — assinados ainda na vigência da legislação antiga.

Os termos de ajustamento de conduta assinados são objetos de acordos de vontade entre as partes (órgão ambiental e proprietário de imóvel rural com pendência de regularização), visando atender as possibilidades da parte com o devido cuidado ao meio ambiente.

Principalmente antes do Novo Código Florestal, os termos de ajustamento de conduta, possibilitavam às partes regularizar suas pendências ambientais, sem enfrentar necessariamente um processo judicial.

Ocorre que, muitas vezes os termos eram inviáveis de serem realizados na prática.

Com a entrada em vigor no Novo Código Florestal, como ficam os termos assinados com questões que não são mais obrigatórias? Por exemplo: averbação de Reserva Legal na matrícula do imóvel ou propriedades que atualmente, com a possibilidade de soma de APP à reserva legal possuem o limite estabelecido em lei.

Disciplina o artigo 12 do decreto 8.235 de 05 de maio de 2015, que estabelece normas gerais complementares aos programas de regularização ambiental dos Estados, sobre os termos de compromisso assinados e firmados à vigência da legislação anterior, que eles deverão ser adequados ao disposto na lei 12.651/2012.

Ademais, que caberá ao possuidor ou proprietário requerer a revisão do termo sob pena do cumprimento ser nos termos em que o título exigia, ainda que contrário a nova lei.

Ainda que o decreto seja claro nesse sentido, alguns tribunais têm entendimento contrário.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG é unânime em afirmar que não se pode aplicar a nova lei à TACs já firmados e em execução, ou mesmo à decisões já transitadas em julgado. São nove acórdãos nesse sentido, sendo sete relativas a pedidos de modificações de decisões judiciais tomadas com base na legislação anterior e dois relativos a revisão de TACs. Todas as decisões se fundamentam, basicamente, no respeito ao ato jurídico perfeito. É o caso do acórdão número 1.0016.10.003875-7/002, no qual a Desembargadora Heloísa Combat afirma:

"O artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal/88, assegura proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, que não podem ser alcançados por alterações legislativas posteriores.
(...)

Portanto, a regra geral no direito brasileiro é no sentido de que, tendo havido julgamento definitivo da lide, não é possível examinar novamente a questão, que já se tornou imutável, por força do artigo 467, do CPC, que apresenta a seguinte redação: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

No acórdão número 1.0016.11.009361-0/001 o Desembargador Valdez Leite Machado deixa mais claro:

“Entretanto, cumpre registrar que a entrada em vigor do Novo Código Florestal, em nada afeta a execução em apenso, cujo título executivo extrajudicial consiste no Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o executado e o Ministério Público, portanto, ato jurídico perfeito, que não pode ser alcançado pela nova Lei, eis que instituído na vigência da Lei 4.771/1965, nos termos do art. 6º, § 1º, do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, nova redação dada pela Lei 12.376/2010):

"Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.".


Em seu acórdão acerca do tema, o Tribunal de Justiça de São Paulo analisa a possibilidade de modificação de sentença, transitada em julgado, que determina a restauração de Áreas de Preservação Permanente – APPs e Reserva Legal em determinado imóvel rural. A decisão é bastante interessante porque baseia-se não apenas na impossibilidade formal de retroação da lei nova para ferir a coisa julgada, mas também na impossibilidade material de retroagir para ferir o direito adquirido da sociedade a um ambiente saudável, sob pena de se criar insegurança jurídica:

“Não obstante as inovações introduzidas com a edição do novo ordenamento ambiental (Lei nº 12.651/2012), importa observar que, no caso, a coisa julgada não pode ser desprezada, não somente sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica, mas sobretudo porque a sentença (...) assegura o interesse ambiental (preservação/reparação da área desmatada), interesse esse erigido que foi pelo direito constitucional à condição de direito fundamental. Nesse passo, qualquer ação tendente a reduzir o alcance das conquistas consolidadas deve ser obstada, sob pena de se aviltar o princípio da vedação do retrocesso social.

(Agravo de Instrumento no 2012816-29.2013.8.26.0000 - excerto do voto vencedor do Desembargador João Negrini Filho)”

A 5ª Câmara Cível do TJMS, no entanto, entende de outra forma. Em seis casos julgados, ela decidiu pela revisão dos acordos, por entender que os TACs não configuram ato jurídico perfeito, embora não fique muito explícito o fundamento jurídico desse entendimento. O voto do Desembargador Vladimir Abreu da Silva na Apelação nº 0101425-24.2006.8.12.0043 ilustra bem essa linha de pensamento:

“Com efeito, o termo de ajustamento de conduta possui controvertida natureza jurídica, (…) por meio do qual um órgão público legitimado toma do causador do dano o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei.

(...)

Feitas tais considerações, e não obstante o respeitável entendimento adotado por parte da doutrina e da jurisprudência de se tratar de ato jurídico perfeito, é inegável que as exigências trazidas pelo novo Código Florestal a respeito da reserva legal afetam o âmago das obrigações pactuadas no TAC.

(...)

Não se trata, pois, de violação a um ato jurídico perfeito, mas de superveniência de Lei Federal, que possui efeito imediato e geral e pode alcançar os efeitos de atos produzidos antes de sua entrada em vigor.”


Esse entendimento, no entanto, não é unânime nem mesmo dentro do TJMS. A 1ª Câmara Cível, em casos mais recentes, proferiu decisões em sentido diametralmente oposto. Em todos os casos o órgão ambiental estadual, IMASUL, pleiteava a rescisão de TACs assinados com o Ministério Público, no qual o órgão assumia a responsabilidade de implementar a legislação florestal vigente à época. Citando a jurisprudência do STJ, o Tribunal decidiu que não podem ser aplicadas as normas do novo Código Florestal para modificar TAC celebrando anteriormente à sua vigência.

Como um decreto não tem o condão de inovar na ordem jurídica, sobretudo quando está em jogo regras de hierarquia constitucional, é pouco provável que os tribunais mudem seu posicionamento em relação ao tema por sua simples existência. Por outro lado, é altamente provável que muitos produtores rurais com TACs em execução queiram fazer valer esse suposto direito subjetivo, na medida em que significa diminuição de custos privados, embora com prejuízos públicos. Portanto, o efeito concreto do novo decreto, nesse aspecto, será desviar esforços e recursos da tão necessária restauração florestal, canalizando-os para embates judiciais inúteis. Infelizmente, trouxe insegurança num campo que já estava praticamente pacificado.

Por fim, conclui-se que das 13 decisões de Tribunais de Justiça proferidas em sentido contrário à aplicação da nova lei a acordos ou sentenças em execução, 10 se fundamentam no precedente do STJ e duas são anteriores ao mesmo. Há, portanto, forte evidência de formação de uma linha jurisprudencial em sentido diametralmente contrário ao disposto no art.12 do Decreto Federal 8235/14. Logo, se os produtores que assinaram a TAC não cumpri-las, assumiram o risco de sofrer ação de execução.



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