segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A Lei Anticorrupção e os pequenos negócios

Gilberto Socoloski Jr. fala das implicações e responsabilidades das empresas, além dos impactos para empreendimentos que participam de compras governamentais

O advento da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, inovou no ambiente legal brasileiro com a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. 

Por esse conceito jurídico, a responsabilização por atos de corrupção, que antes alcançava apenas a pessoa física, o executivo ou colaborador a quem era imputada suposta irregularidade, passou a alcançar igualmente a pessoa jurídica, ou seja, a própria empresa.

Em um momento em que os pequenos negócios participam cada vez mais dos processos de compras governamentais, impulsionados pelo tratamento diferenciado conferido pela Lei Complementar nº 123/2006 (Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas) em seu Capítulo V, que passou a exigir, por exemplo, a realização de processos licitatórios exclusivos aos pequenos negócios nas compras de até R$ 80 mil, o tema corrupção passou a ser relevante para esse público.

Para que se possa compreender o impacto da Lei Anticorrupção no âmbito do empreendedorismo, é necessário entender, por um lado, o que é um pequeno negócio e como ele se aproximou tanto das compras públicas e, por outro, a própria lei, seus antecedentes e sua abrangência sobre o ambiente em questão. Dessa forma, é possível responder a um importante questionamento: como disseminar um tema tão importante, mas ao mesmo tempo tão árido, entre os pequenos empresários?

Pequenos negócios: uma realidade brasileira

Ainda que o IBGE classifique o porte das empresas pelo número de empregados, as leis complementares nº 123/2006 e nº 128/2008 (que criou o Microempreendedor individual – MEI) as dividem de acordo com a receita bruta anual em MEI (até R$ 60 mil), ME (de R$ 60 mil a R$ 360 mil) e EPP (de R$ 360 mil a R$ 3,6 milhões), realidade que será alterada a partir de 2018, quando o teto passará a ser de R$ 4,8 milhões, conforme a LC nº 155/2016, sancionada em 5 de outubro de 2016.

De acordo com dados da Receita Federal, essa tipologia abrange 11,2 milhões de empresas, ou seja, 99% das formalizadas (optantes do Simples Nacional). Mais do que isso, segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2014, dá ao Brasil a posição de um dos países mais empreendedores do mundo, e isso por três motivos:

• O mercado brasileiro costuma ser listado entre os maiores para diversos produtos, sejam bens ou serviços, empregando 60% da força de trabalho do país

• O nível de escolaridade do empreendedor, que em geral é superior completo ou incompleto, chegando a 92% no caso da presença no ramo por opção e a 78% quando se dá por necessidade.

• O ambiente legal relacionado aos pequenos negócios, que, desde o advento da Lei Geral, vem mudando o panorama dos negócios a partir do tratamento diferenciado conferido a eles.

Nesse novo panorama, um em cada dois municípios brasileiros implementou a Lei Geral (aumento de 261% de 2013 a 2016), onde tramitaram processos licitatórios exclusivos dos pequenos negócios.

Essa notável modificação no ambiente de mercados confere ao pequeno negócio uma configuração interessante aos gestores municipais e instigam as grandes empresas âncoras de cadeias produtivas importantes.

A corrupção e a Lei Anticorrupção

O novo ambiente de negócios para as MPE tangibiliza oportunidades dignas de um país interessado na retomada de seu crescimento. Mas também aproxima esses empresários da prática muito comum na cultura interna: a corrupção. Nesse sentido, se as grandes empresas, com sua legião de advogados e consultores estão sendo investigadas e eventualmente sancionadas a partir da consolidação da Lei Anticorrupção, as congêneres de menor porte, sem preparo e amparo, são presas fáceis de irregularidades não intencionais, por menores que possam aparentar.

Por esse motivo, a Controladoria Geral da União (CGU) procurou o Sebrae, logo após a sanção da nova lei, para traçar uma estratégia de disseminação, entre os pequenos negócios, da cultura de proteção contra as práticas ilegais. O grande entrave da época era a inexistência de flexibilização nas exigências do conteúdo legal, tornando sua aplicabilidade praticamente impossível aos pequenos negócios.


A Lei nº 12.846/13, influenciada que foi pelo Foreign Corrupt Practices Act – FCPA (1977), pelas discussões acerca do tema ocorridas na Organização dos Estados Americanos – OEA (1996), na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (2000) e no Pacto Global (ONU, 2002) e pelo Bribery Act (Reino Unido, 2010), busca, por meio da prevenção e da punição, mudanças no ambiente sistêmico empresarial, de maneira a oferecer negócios mais justos e melhores oportunidades a todos.

Nesse sentido, alguns dispositivos avaliativos dos programas de integridade foram atenuados em prol do tratamento diferenciado aos pequenos negócios. Dispositivos tais como a existência e divulgação de canais de denúncias e a realização de diligências apropriadas para contratações e supervisão de despachantes, agentes, intermediários, procuradores, prepostos e parceiros de negócios não são exigidos dos pequenos negócios, facilitando assim a formatação de políticas internas de integridade que permitam a essas empresas se adequar às exigências legais.

O Programa Empresa Íntegra

No início de dezembro de 2014, a CGU e o Sebrae celebraram um Acordo de Cooperação visando à conjugação de interesses e intenções para a divulgação da Lei nº 12.846/13 e, por consequência, de medidas de integridade para os pequenos negócios.

No ano seguinte, a partir do desenvolvimento de um plano de ação conjunta, foi instituído o chamado “Programa Empresa Íntegra”, constituído de ações cujo objetivo era desenvolver uma comunicação eficaz e customizada para esse público que pudesse resultar em uma mudança cultural irreversível na cultura empresarial brasileira.

A partir de então, o programa começou a apresentar resultados tangíveis que estão sendo apresentados, por meio de palestras conjuntas, a parceiros importantes, como o Observatório Social do Brasil (OSB), a Federação Nacional das Empresas Contábeis (Fenacon) e o Governo do Estado do Mato Grosso, sendo que esse último solicitou a utilização dos produtos desenvolvidos para instituir um Programa Estadual de Integridade, que prevê a capacitação de empresários daquele estado.

No que tange os produtos desenvolvidos, a página do programa na internet apresenta cartilhas, infográfico, vídeo animado, papo de negócios e artigos produzidos por especialistas que permitem ao empresário se familiarizar com 10 dicas simples para proteger a empresa da prática de corrupção. São elas:

• Que a direção da empresa assuma o compromisso de lutar contra a corrupção.

• Que o empresário conheça bem a sua empresa.

• Que a empresa tenha um código de ética.

• Que o código de ética e o programa interno de integridade sejam apresentados aos funcionários por meio de cursos, palestras ou reuniões.

• Que os registros contábeis sejam confiáveis e feitos de maneira correta.

• Que as práticas irregulares ou ilegais sejam punidas por meio de medidas e procedimentos disciplinares apropriados.

• Que sejam desenvolvidos mecanismos de controle que previnam a prática de irregularidade e a identificação de erros.

• Que as regras de licitações (para aquelas empresas que delas participam) e as leis, de forma geral, sejam respeitadas.

• Que existam procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades e a rápida reparação dos danos causados.

• Que haja uma atualização contínua acerca das mudanças observadas no ambiente no que se refere ao combate da corrupção.

O Programa Empresa Íntegra é uma oportunidade de ouro para o Brasil e, se “um país sem corrupção depende da honestidade de seu povo”, comece por você e pela sua empresa. Acesse a página do programa, leia as cartilhas e os artigos, assista aos filmes, imprima o infográfico e disponibilize em local visível na sua empresa e entre também no combate à corrupção.

Gilberto Socoloski Junior é analista técnico da Unidade de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Sebrae Nacional e Gestor do Programa Empresa Íntegra.

(Fonte: Sebrae)

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