Entrevistada pelo blog MAS (Mulheres Agricultoras
de Sucesso), ela conta da transformação que provocou no seu negócio, o turismo
rural, o trabalho social, a participação numa entidade internacional de
mulheres da cafeicultura e como se tornou uma referência no agronegócio
mineiro.
Conte-nos um pouco de sua história pessoal...
Eu nasci na
pequena cidade de Areado, nas montanhas cafeeiras do Sul de Minas. Meu pai era
um empreendedor do ramo de combustíveis e posteriormente se tornou um
cafeicultor, mas um apaixonado por servir e pelas pessoas. Ele sempre acreditou
muito no poder de transformador da mulher e na sua independência. Sou a única
filha mulher e tenho mais dois irmãos.
Você cresceu sonhando com que futuro?
Cresci nesse
ambiente sempre sonhando em ter meu próprio negócio onde eu pudesse construir
minhas próprias oportunidades e oferecer oportunidades para outras pessoas.
Minha mãe, uma dona de casa com princípios e valores muito fortes, sempre nos
criou no espírito colaborativo, ajudando uns aos outros, então cresci com a
alma de vendedora e de empreendedora.
Como foram seus estudos?
Já pensava em meus
próprios negócios quando decidi sobre meus estudos. Fui fazer a Faculdade de
Farmácia na Universidade Federal de Alfenas (MG). Pensava: “um dia vou ter a
minha própria farmácia”. Já na excursão de formatura da universidade conheci
meu marido, um argentino que vinha pela primeira vez passear no Brasil, se
encantou e já faz 30 anos que está aqui. Somos casados e temos dois filhos: a
Gabriely (que está concluindo seus estudos em Odonto) e o Thiago (em Direito).
Nos casamos e compramos a primeira farmácia em Rio Claro, interior de São
Paulo.
Depois vocês se mudaram?
Ficamos pouco
tempo e vimos uma oportunidade de crescimento muito grande em Bebedouro (SP),
uma cidade encantadora que nos recebeu de braços abertos. Ali chegamos a ter
quatro farmácias e me aprofundei nos estudos fazendo MBA em Gestão de Negócios.
Na farmácia me encontrei: gostava muito das pessoas, de servir as pessoas, de
atender. Nunca tive um escritório, meu lugar era o balcão porque quanto mais eu
estava próxima do meu cliente mais eu sabia de suas necessidades e mais eu
crescia. Nunca vendi medicamentos, vendi saúde, beleza, bem-estar, enfim,
qualidade de vida.
E como foi o início de sua carreira profissional na
área do meio rural? Como se deu essa mudança?
As grandes
empresas do setor farmacêutico começaram a trazer dificuldades para os pequenos
negócios. Então, há 12 anos adquirimos a “Fazenda Capoeira”, por influência do
meu pai, mas era só o solo: não tinha um pé de café plantado, não tinha nada. Demos
início à formação da fazenda, mesmo sem conhecer absolutamente nada de café, e
permaneci paralelamente com as farmácias, setor que deixei em definitivo há
seis anos. Aí me mudei para a fazenda para me dedicar exclusivamente ao café.
Como foi essa mudança de vida e de negócio para
você?
Quando cheguei eu
não conhecia e não sabia o que era um bom café. Aí fui me capacitar e conhecer
o meu negócio. Porque ser apaixonada é positivo, mas conhecer faz toda a
diferença. Eu assistia a todas as palestras que tratavam de café e fui
aprender. Fiz uma pós-graduação de “Gestão em Cafeicultura” e busquei um
caminho do diferencial, queria fazer um café melhor, queria ser especial para
pessoas especiais, que reconhecessem o valor desse café e conhecessem a
história dos envolvidos por trás desse café. Fui entender como eram os
processos de qualidade do café e vi que estavam centrados em pós-colheita, que
era muito importante reproduzir em terreiro as condições, o sabor e o encanto
que vinham da árvore.
Qual foi sua atitude?
Vi que era um
trabalho difícil, árduo, sob o sol e troquei o salto pela bota para ir para o
terreiro para servir de exemplo e envolver as pessoas. Eu liderava pelo
exemplo. Às vezes era necessário rodar os cafés 15 vezes por dia, dobrá-los na
hora certa, não deixar mais tomar sereno, cobri-los para não tomar chuva. Era
uma dificuldade porque só havia homens e eles não acreditavam nos meus
processos, mas não bati de frente porque não queria o lugar deles, queria o meu
espaço. Fui construindo argumentos com o que eu aprendia, com resultados, exemplos.
Quando começaram a sair os primeiros resultados, as primeiras amostras, as
pessoas ficavam encantadas com isso. Acredito muito nessa mudança de trazer uma
mulher para os negócios do café, melhora muito porque mulher, café e qualidade
são coisas muito próximas, porque usamos valores que são nossos, como capricho,
amor, paixão, limpeza. E isso é fundamental na produção de um café de
qualidade. Essa foi uma mudança muito grande que teve aqui com a minha chegada.
Que outras transformações você promoveu?
Quando você
trabalha com varejo todos os dias você manipula vendas, compras e diariamente
tem fluxo de caixa. Quando cheguei na fazenda não tinha isso porque o café só
dá uma vez por ano, a renda é uma vez no ano, então é mudança de vida e
comportamentos. Então comecei a pensar em processos que gerassem renda dentro
da fazenda e que não dependessem só do grão. Vi que as pessoas estavam gostando
muito de vir à fazenda e eu vi nisso uma oportunidade de negócio muito grande.
Se as pessoas gostam de visitar a fazenda, ver como se constrói um café de
qualidade, conhecer do grão à xícara e saborear o café ao lado de lindas
paisagens, abri uma cafeteria que é o “Café da Roça”. Aí desenvolvi um projeto
social com as mulheres da minha comunidade, porque elas faziam coisas muito bem
feitas, mas não havia quem comprasse. Eu as levei para capacitação no Senac e
compro tudo o que é produzido por elas e trago para ser vendido nessa
cafeteria. Consigo assim melhorar a minha vida e a vida de outras mulheres.
Conte como se conectou a mulheres cafeicultoras de
outros países...
Em 2011 ouvi falar
que tinha uma senhora no Brasil trazendo conceitos da IWCA, que é uma aliança internacional
de mulheres do café. Procurei e me encontrei com essa mulher, a Josiane: fiz
uma festa aqui para recebê-la com 100 pessoas para que ela pudesse falar para
nós brasileiras o que seria essa aliança internacional. Eu me apaixonei pelos
conceitos da IWCA porque é fantástica já que conecta mulheres do grão à xícara,
unindo as pontas da cadeia, mulheres produtoras com mulheres consumidoras e
esse foi o meu grande insight na
cafeicultura. Foi quando descobri que eu poderia melhorar a minha vida e de
outras mulheres e isso foi um sentimento muito grande de empoderamento para
mim. Vi que ali eu estaria fazendo uma história verdadeira no café. A partir
daí passei a trabalhar fortemente com o intuito de empoderar a mim e a outras
mulheres.
Que outras novidades você agregou?
Comecei a
desenvolver várias atividades dentro da fazenda, além do social “Café da Roça”,
como a “Rota do Turismo Rural” onde recebo compradores e visitantes para que
tenham oportunidade de conhecer os arranjos produtivos que são muito eficientes
aqui pois acreditamos fortemente na sustentabilidade que está em nosso DNA que
conseguimos através dos processos de certificação. Investi muito também nos
processos de pós-colheita porque digo para os nossos colaboradores: todo nosso
amor e dedicação para produzir um café de qualidade vão estar expressos na
xícara dos nossos consumidores. Aqui se produzia um café normal, um café
commoditie; com a minha vinda e ajuda do meu marido produzimos cafés de
altíssima qualidade e exportamos para quatro países, sendo uma mudança de
patamar muito grande. Tudo isso gerou autoconfiança, melhorou a rentabilidade
do negócio, deu visibilidade a meu trabalho e de outras mulheres.
Sim. Conhecimento
que não se compartilha não é conhecimento. Todos os anos (já é o quarto ano) em
novembro eu promovo aqui na fazenda o Encontro da Mulher do Café para que
compartilhemos experiências, histórias de vida e possamos aprender mais.
Trazemos importantes palestrantes para que tragam conhecimento para essas
mulheres, mostrando um novo mercado de café. Melhoramos ainda nossa base de
relacionamento, então invisto muito nesse conhecimento compartilhado.
Como vê o produto de vocês na atualidade?
Me orgulho muito
de produzirmos esse café de muito boa qualidade. Hoje temos o café torrado e moído
e agora vamos lançar os cafés em cápsula. Nosso café torrado e moído foi
aprovado num projeto APECS-Brasil e no Design Export para que seja exportado
diretamente para os mercados consumidores torrados e moídos. Então, através do
portal Mulheres Exportadoras foi esse projeto que deixou as embalagens do café
muito lindas por traduzirem todas as nossas conquistas no segmento. Não somos
uma marca velha, somos uma marca jovem e inovadora, que acreditamos muito no
saber fazer das pessoas. Transmitimos para nossas embalagens o jeito artesanal
que temos de produzir cafés. Acredito que café é vida, tem o dom de aproximar
pessoas, traz base porque envolvemos as pessoas que estão conosco.
E você tem mais um projeto inovador, o “Coffee Bike”?
Acredito muito no
conceito da mobilidade e praticidade. Criei a “Coffee Bike”, que será uma
franquia, um modelo de negócio nosso, que tem justamente esse intuito de
aproximar as pessoas contando a história de um café de qualidade. Essa bike
precisa de uma tomada para funcionar, vai nos casamentos, nas festas, nos
eventos, na praça, onde as pessoas estiverem reunidas ela pode ir levando esse
conceito do café especial. Não somos grandes, mas somos especiais. Queremos
estar na mente dos nossos consumidores como pessoas especiais, que produzem
cafés especiais, para pessoas especiais.
Como é seu dia a dia e sua atuação no negócio de
vocês? Você participa de todas as decisões?
Passo 365 dias
dentro do meu negócio. Minha fazenda é minha empresa e aqui tem uma orientação
para resultados. Durante todo o ano estou dentro da fazenda tomando todas as decisões,
colhendo dados e informações para que o negócio seja uma empresa de resultados.
Durante a safra o trabalho é dobrado? Como é
conciliar a vida de gestora, esposa e mãe?
Durante a safra é maior
tempo que dedico, aí 24 horas por dia porque literalmente não saio para nada.
Venho de mudança para a fazenda no primeiro dia que dá início à safra e saio no
último dia, quando se coloca o último grão de café no saco. Acredito que quanto
mais próximo eu estiver, mais eu consigo entender os processos de qualidade.
Minha dedicação é total, mas além de empresária sou mãe, sou esposa, sou filha,
então tenho que conciliar todos esses cuidados: com minha mãe, meus negócios,
filhos, minha casa, meu marido, continuar meus estudos constantemente, sendo
uma parte muito desafiadora porque conciliar tudo com o negócio, ainda mais na safra
que a demanda é muito grande, mas é o equilíbrio porque a época que mais nos
dedicamos é quando colhemos o café.
Qual o foco do empreendimento de vocês?
É a produção dos
cafés especiais e valorização de nossas origens e nossas pessoas. Não vendemos
grãos de café, vendemos nossa história, nossa cadeira de relacionamentos.
Como é sua participação na IWCA?
Hoje sou diretora
de marketing e tenho orgulho de ter sido uma das fundadoras da IWCA no Brasil.
E quanto ao prêmio do Sebrae? Fale um pouco sobre
ele e a emoção que sentiu...
Tenho um orgulho
muito grande por ter vencido o prêmio “Mulher de Negócios Sebrae Minas Gerais”.
É um prêmio que vai promover muito minha vida e de outras mulheres a partir dos
cafés produzidos por mim. Esse prêmio valoriza a história de mulheres que
tornaram seus sonhos realidade e que são capazes de inspirar outras mulheres e
dizer: “você também pode, todas nós podemos”!
Quais são as maiores dificuldades e, por outro
lado, os pontos mais positivos do seu trabalho?
Eu amo o que faço.
Sou completamente apaixonada pelo café e pelas pessoas que trabalham para
produzir cada grão. Minhas dificuldades são de um negócio normal, de uma
empresa normal: desafios, pessoas, equilíbrio, gastos, custos, esses são meus
maiores desafios.
O que mudou na cafeicultura desde quando você
começou?
Era enfrentar um
trabalho árduo que eu não estava acostumada porque eu escolhi liderar pelo
exemplo para que as pessoas soubessem a importância de se produzir um café
especial.
Você é feliz no que faz e o que mais te motiva a
continuar?
Eu sou muito feliz
no que faço. O que me move e inspira é saber que posso melhorar a minha vida e
de outras mulheres, é saber que sou capaz de transformar um negócio num negócio
grande, é ter um sonho grande na cafeicultura, é saber que faço parte de uma
cadeia produtiva que faz parte da construção de um Brasil melhor.
Que mensagem deixaria para as mulheres que sonham
em trabalhar no segmento?
A mensagem que
deixo para essas cafeicultoras é que vivamos uma vida que vale a pena ser
vivida, contar uma história que vale a pena ser contada. Devemos deixar um
legado para que as pessoas sonhem em trabalhar conosco, sonhem estar a nosso
lado e que nós empreendedores sejamos os motores de transformação e crescimento
desse país. Somos o caminho do bem, somos o Brasil que dá certo, não
transgredimos as regras do jogo, empresários que não deveriam servir de exemplo
para nós não nos inspiram. Então, nós iremos transformar. Eu sozinha faço muito
pouco, mas juntos nós teremos um outro país e eu tenho muito orgulho de fazer
parte de uma cadeia produtiva que contribui com o crescimento do Brasil. Nós
empreendedores de sucesso temos que ser os multiplicadores de sucesso, sendo
capazes de transformar nosso país num país melhor. A mensagem para as mulheres
é que nosso papel é muito importante, somos capazes de transformar. Lembrando
que estamos trazendo os filhos de volta para o campo com a sucessão, então somos
inspiradoras e multiplicadoras de bons exemplos.
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