Nossa entrevistada é presidente no Brasil da Aliança Internacional das
Mulheres do Café - IWCA, organização sem fins de lucro que foi criada em 2003 a
partir do encontro de mulheres da indústria do café dos Estados Unidos e Canadá
com produtoras de café na Nicarágua.
Produtora de café orgânico e biodinâmico
em Piatã, Chapada Diamantina, Bahia, Brígida é Presidente da Cooperbio,
Cooperativa de Produtores de Cafés Orgânicos que congrega 52 produtores, todos
com certificados orgânicos. Recebeu o Prêmio Prata na Categoria Mulher de
Negócios SEBRAE BA - Empreendedora Rural.
Nessa conversa franca, ela conta sua
história e fala do papel da mulher no agronegócio.
Conte-nos um pouco de sua
história pessoal e de seus estudos...
Minha vida pessoal é muito rica em termos de vivências e experiências,
pois nasci numa pequena cidade de interior de Minas - Passa Tempo que fica no
Campo das Vertentes, caçula de uma família de 6 irmãos, 3 homens e 3 mulheres,
e devido a profissão de meu pai mudávamos muito de cidade. Passei minha
adolescência e juventude em Belo Horizonte onde estudei no Instituto de
Educação de MG e depois na UFMG onde me formei em Biblioteconomia. Depois fui
morar em Fortaleza no Ceará e mais tarde em Salvador na BA, onde trabalhei como
Biblioteconomista na empresa Petrobrás por 12 anos.
E como foi o início de sua
carreira profissional na área do meio rural?
Em 1998 decidi "chutar o balde" e voltei a morar no interior e
vim para Piatã na Chapada Diamantina - foi aqui que descobri o café e desde
então moro na fazenda. Quando vim para cá já sonhava em plantar meus alimentos
de forma saudável, com manejo orgânico, sem uso de agrotóxicos. E assim me
tornei produtora de café orgânico. Enfrentei e ainda enfrento muitas
dificuldades nessa área pois não tínhamos naquela época nenhuma orientação sobre
esse tipo de manejo principalmente para os cafés.
Fiz tudo "errado" e
não conseguia assistência técnica e nem financiamentos para manter a lavoura,
"quebrei" financeiramente mas não desisti. Eu sabia que o mundo
queria alimentos saudáveis! Encontrei pessoas que já faziam agricultura
orgânica desde sempre, pois o agrotóxico não chegava nos rincões e fui
aprendendo com essas pessoas e depois nos juntamos para criar a Cooperativa de
Produtores Orgânicos e Biodinâmicos da Chapada Diamantina - isto foi em 2007/2008
e hoje sou diretora da Cooperativa. Em 2011 participei do I encontro das
mulheres do café e mais uma vez me junto a esse coletivo para pensarmos a
cafeicultura pela ótica das mulheres.
Mulheres da Chapada - Ana Cassia,
Carmem, Tainã, Liliane, Delzute,
Josiane, Brígida e Patrícia (Foto: IWCA Brasil)
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Você é produtora de café
orgânico e biodinâmico. Como é essa produção diferenciada?
Nas minhas buscas por sustentabilidade da fazenda e em conhecimentos
para melhorar a produção orgânica, fui
fazer o curso de Especialização
em Agricultura Bio Dinâmica em Botucatu, que é a maior referência neste tipo de
agricultura. Participava de todos os
seminários, encontros e cursos na área de agricultura orgânica - inclusive
estive por dois dias na fazenda de Ernst Gotsch, por volta de 2003/2004 para
conhecer sobre os sistemas agroflorestais, Lia muito sobre as correntes de
agricultura orgânica, biodinâmica, natural, permacultura.
E fui adaptando os
manejos, adequando às condições climáticas da região. Então hoje na fazenda
tenho uma mistura dessas correntes. Em determinado momento quase desisti pela
falta de pesquisas na área do café. Tem muita coisa na área de horticultura,
mas n o café ainda é muito pouco o que se tem de estudos e pesquisas. Tenho uma
publicação da EPAMIG do início dos anos 2000 sobre produção de café orgânico,
que foi para mim um alento... mas depois muito pouco avançou. Então continuamos
muito na base do ensaio e erro.
Como é esse mercado?
O mercado orgânico está crescente e quando vou para feiras de produtos
orgânicos percebemos uma demanda muito grande pelos cafés. Já nas feiras de
cafés, somos o "patinho feio". Muitos confundem cafés especiais com
cafés orgânicos e sempre comentamos que os cafés orgânicos são duplamente
especiais: pelas características que são conferidas aos cafés especiais, dentro
das pontuações oficiais e pelo fato de serem alimentos seguros, sem contaminantes,
sem agrotóxicos.
Brígida no Sub-capítulo Mantiqueira entre
Josiane Cotrim Macieira (Fundadora do IWCA Brasil)
e Phyllis Jonhson (presidente da BD Imports/
Harvard Kennedy School Graduate)
(Foto: IWCA Brasil)
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No nosso caso a produção é em sistemas agroflorestais, sob árvores
nativas e exóticas e até algumas frutíferas, como jaboticabas. Fazemos a
correção de solo normalmente, baseada nas análises físicoquímicas, A adubação é
feita com compostos orgânicos, biofertilizantes, e outras caldas e usamos os
preparados Biodinâmicos tanto no solo como foliar. Procuramos seguir o
calendário biodinâmico e desenvolvemos um calendário para a cafeicultura, de
acordo com os tratos culturais necessários, podas, adubação, colheita etc.
Tivemos uma grande perda dos nossos cafezais durante os anos de estiagem
por ser lavoura de sequeiro. E agora estamos renovando a lavoura substituindo o
velho cafezal por novas variedades. E vamos fazendo pouco a pouco, um hectare
por ano até voltarmos a ter 10ha produtivos. Como vê sou uma pequena
cafeicultora e talvez por isso precisamos ser muito eficientes.
Você encontrou dificuldades
pelo fato de ser mulher num meio predominantemente masculino? Quais foram e
como foram superadas estas dificuldades?
Sempre fico na dúvida se a minha maior dificuldade foi pelo fato de ser
mulher ou por ser orgânica! Acho que as duas coisas pesam muito. O fato também
de ser urbana e vir para a atividade rural também trouxe dificuldades de
compreensão do meu modo de produzir. Ouvia às vezes de algum trabalhador na
fazenda "isso não vai dar certo"! e acrescentava "ela não
entende nada de roça...” (e de fato eu não entendia), mas estudava muito, mas
não encontrava técnicos que pudessem me ajudar.
Procurava os agrônomos da
região que me diziam invariavelmente para desistir da agricultura orgânica. Não
conseguia financiamentos nos bancos, pelo fato de ser para cafeicultura
orgânica - mesmo em linhas de crédito como ABC - Agricultura de Baixo Carbono.
Pois os projetos em geral deveriam ser "casados" com a compra de
insumos. Então acho que tive mais dificuldades pela tecnologia que eu estava
desenvolvendo do que pelo fato de ser mulher.
Sempre encontrei muita dificuldade de me inserir nas associações de
cafeicultores da região onde estou.
Apesar de participar sempre das reuniões
nunca era ouvida, ou podia participar mais ativamente, até criarmos a
Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Chapada Diamantina, mas mesmo aqui foi
difícil me posicionar e me impor como produtora. Hoje pelo meu trabalho
coletivo e pela participação ativa na cooperativa tenho um grande respeito dos
meus pares, mas isso foi conquistado dia a dia.
Explique o que é a IWCA e
qual seu papel para as mulheres do café no Brasil e exterior.
A mulher sempre teve um papel de destaque na área rural mas esse papel
sempre foi invisível. Assim como a mulher urbana, as mulheres rurais tem dupla
e até tripla jornada de trabalho. Tornar essa mulher visível na cafeicultura é
a principal motivação da IWCA. A IWCA - Aliança Internacional das Mulheres do
Café é uma entidade sem fins lucrativos que reúne mulheres do café em todo o
mundo. Já existe desde 2003, mas foi em 2011 que chegou ao Brasil, trazido pela
Josiane Cotrim. Participo desde o primeiro momento.
Há poucos dias conversando
com a atual presidente da IWCA Global a Sra. Mary Santos, comentávamos de como
aquele setembro de 2011 foi um marco para mim. E após o nosso I Encontro que
foi de dois dias intensos, trocando informações sobre o que era a IWCA e como
deveríamos atuar no Brasil, na avaliação final eu estava muito emocionada e
minha conclusão naquele momento foi expressada da seguinte maneira: "agora
encontrei meu lugar, sei que não estou sozinha e aqui posso expressar e falar
de cafeicultura, aqui encontrei ressonância para o meu pensamento e o meu
agir".
Isto porque eu já havia participado de vários congressos, eventos,
seminários e etc... de cafés e sempre me perturbava a falta de mulheres nas
mesas de abertura dos eventos, nos debates, nas apresentações de trabalhos ou
palestras. Mas aquele I Encontro era tão diverso, com tantas mulheres de todas
as regiões, cada uma com experiência própria e com casos de sucesso, mas éramos
todas invisíveis.
E depois?
Com a criação da IWCA Brasil passamos a ter uma demanda incrível para
conhecer as experiências de cada uma. Mas o mais importante e inovador para mim
foi a diversidade. Estavam ali reunidas não só produtoras, mas também mulheres
de todo o sistema agroindustrial do café, de todas as regiões produtoras, de
todas as idades. Para mim isso é o que mais me encanta. Trocar experiência com
jovens baristas, com pesquisadoras, com donas de cafeterias, com mulheres da
indústria.
Essa diversidade e troca de experiências nos aproxima, nos faz
entender melhor de mercados, de produção, de comercialização, abrangendo uma
gama de conhecimentos que para mim era totalmente novo. Isto é a IWCA: aproximar as mulheres que trabalham com café
e dar a elas visibilidade. Foi sem dúvidas a partir da IWCA Brasil que tive
oportunidade de mergulhar ainda mais em todos os processos que envolve a
cafeicultura, da produção ao consumo. As mulheres abriram novos caminhos, novas
possibilidades de pensar a cafeicultura.
Como você entrou para a IWCA?
Tem uma pessoa que é fundamental nesse processo de criação da IWCA
Brasil, esta pessoa é o Sérgio Parreira, que conhece todo mundo da
cafeicultura. Eu havia conhecido o Sergio num encontro de Agricultores
familiares produtores de café, num evento promovido pela OXFAM, um organismo
internacional que discutia naquela época a questão das certificações para o
café - certificação orgânica e Fair Trade dentre outras.
E o Sérgio tem essa
fantástica habilidade de aproximar pessoas. Quando a Josiane Cotrin começou a
buscar as mulheres do café e pensar no I Encontro para a criação da IWCA e ela
teve a grande sensibilidade de buscar mulheres de todas as regiões produtoras, o
Sérgio fez referências a mim, como a mulher produtora que estava na Bahia. Daí
recebi o convite e desde 2011 participo da IWCA Brasil.
Foto: Cooperbio |
Qual a importância de ser
presidente de entidade tão relevante?
Me tornei presidente em 2015. A importância e a responsabilidade de ser
Presidente de entidade tão relevante é trazer a discussão de gênero para a
instância da cafeicultura. É principalmente promover as mulheres cafeicultoras
ou de outra atividade ligada a cafeicultura. Promover no sentido de apoia-la
para que participe das ações que promovem a cafeicultura, trazer a discussão
das problemáticas dessa atividade para uma visão e olhar feminino e fazer a
integração dessas atividades.
É posicionar uma produtora para que conheça seu
café através de experiências sensoriais e aproxima-la de compradoras potenciais
de seus cafés. É promover a discussão de onde estão as mulheres do café e o que
fazem através de pesquisas pelas universidades, como estamos realizando e vamos
publicar em livro brevemente, a s er lançado na Semana Internacional do
Café. E é pensarmos novas políticas para
a cafeicultura brasileira e global.
Empreender no campo com
competência é para poucos. Como foi receber o “Prêmio Prata na Categoria Mulher
de Negócios SEBRAE BA - Empreendedora Rural”?
Ah! difícil falar sobre isso! É uma emoção, é uma alegria e sobretudo é
uma maneira de motivar outras mulheres a empreender, a acreditar no que fazem,
a compartilhar as experiências e mostrar que o sonho é possível. E eu acredito
muito no dito popular: "um sonho que se sonha sozinho é só um sonho, o
sonho que se sonha coletivamente é uma realidade".
E foram os dois
coletivos do qual eu participo que me deram esse prêmio a Cooperbio e a IWCA
Brasil. Compartilhar e somar com as
mulheres e os demais parceiros é o que faz a diferença. Este ano temos mais
duas cafeicultoras concorrendo ao prêmio nacional uma de Minas Gerais e outra
do Rio de Janeiro.
Você é feliz no que faz e o
que mais a motiva a continuar?
Sem dúvida é o trabalho coletivo que me impulsiona. Sim me sinto
realizada e feliz mas temos muito o que caminhar pois acredito muito num mundo
mais justo e sustentável para toda a humanidade, e neste sentido ainda temos
muito o que fazer. Sabe aquela conta de 50 / 50, ou seja para sermos inteiras é
preciso que sejamos reconhecidas e estejamos lado a lado nas questões de
gênero, trabalho, recursos enfim das relações humanas.
Algo mais você gostaria de
acrescentar?
Agradecer a todas as mulheres que tiveram grande influência sobre a
minha história, desde a minha mãe que era uma mulher à frente de seu tempo, e
às mulheres do café com quem tenho aprendido muito! Ainda vou escrever alguma
coisa sobre as mulheres que me influenciaram no meu modo de ver o mundo.
(Entrevista concedida ao
jornalista André Luiz Costa)
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